14 de junho de 2011

Crónica de uma tarde com Manuel António Pina

De entre a panóplia de valências informativas, formativas e educacionais (no sentido abrangente do termo), em torno da facilitação de acesso à informação e desta ao conhecimento, da prestação de serviços e pontos de acesso ao saber partilhado, de suporte (dificilmente mensurável mas tangível) à acção educativa, etc., uma há que também gostamos de trabalhar, cientes de que, de algum modo, não só promove um dos nossos mais caros desideratos – formar leitores competentes – mas porque possibilita uma aproximação aos livros, à literatura, numa palavra, à cultura, por via de encontros com autores e da realização de iniciativas que quebram a rotina (saudável, se criativa) do dia a dia de uma biblioteca escolar (BE). E isso acontece a cada passo na nossa biblioteca, seja por iniciativa própria seja por acções concertadas de partilha e parceria com a biblioteca municipal e o serviço de apoio às bibliotecas escolares do concelho. Desta feita, coube-nos materializar o desejo, acalentado desde o início do ano lectivo, de trazer até nós mais um grande escritor da nossa língua – o poeta, cronista e jornalista, Manuel António Pina. Tal aconteceu na passada quinta-feira, 9 de Junho, numa tarde de grande azáfama e saudável tertúlia com o mais recente prémio Camões (2011).
Queríamos estar à altura do privilégio que nos fora concedido de receber um dos poetas (contemporâneos) maiores da nossa língua, que ombreia com outros grandes nomes da poesia portuguesa do séc. XX. E ficámos convencidos de que o encontro, de mais de duas horas, com M.A.Pina, não ficou aquém das expectativas que havíamos gerado ao longo dos muitos dias que antecederam a sessão. Esta envolveu vários alunos (do 7.º ao 12.º ano) que, da leitura expressiva de poemas vários do autor, à dança, expressando as suas palavras, passando pela música, foram grandes nas interpretações que levaram a cabo.
 Respigue-se, pois, do bloco de notas:
13:45 – É já grande a azáfama no espaço da biblioteca, com os alunos a relerem os poemas que haviam sido distribuídos dias antes (uma selecção de poemas vários da vária obra de Manuel António Pina, cuidadosamente organizados por uma prof.ª da equipa da BE – Marieta Barbosa). Na memória recente, os últimos ensaios (nunca com todos -  aulas e testes de fim de ano são prioritários e os exames “estão à porta”) feitos nos finais de tarde dos dias anteriores, sob supervisão da prof.ª Marieta e do prof. bibliotecário. O cenário, esse, fora aprontado durante a manhã (labor de toda a equipa da BE): cadeiras e sofás dispostos a preceito; no cavalete, junto às escadas de acesso ao mezanino, uma imagem muito expressiva de M. A. Pina, desenhada, a pastel sépia, por uma aluna de Artes (Ana Rita Senra); no varandim norte do mezanino, sobre a parede, uma manta feita à mão em macramé, singela homenagem ao prémio Camões; em redor, as estantes de livros banhadas pela difusa luz do início de tarde. No éter, os sons do oboé, da flauta transversal, do saxofone barítono, do violino, e dos clarinetes, acertando as frequências da Pavane de Gabriel Fauré, que haveria de abrir a sessão. E, fazendo oscilar esse mesmo ar, os passos de dança de duas alunas procurando ainda, num último ensaio, aprimorar a coreografia interpretativa do belíssimo poema A esta hora / na infância neva…
15:30 – Aguarda-se o escritor/poeta. O espaço está praticamente cheio de alunos e professores; também alguns elementos da comunidade envolvente. O autor chega, os olhares cruzam-se: “ - É este o poeta?” interrogam-se entre si alguns alunos, “- Sim, o autor daqueles livros que estão ali no expositor, logo à entrada… não viste?” – redarguiu uma aluna mais entendida.
A sessão vai começar. Faz-se silêncio (a apresentação do autor será feita momentos mais tarde, no fim da performance de música, palavras e dança). O sexteto (jovens alunos estudantes de música), mirando as partituras, aguarda o sinal. Um dedo no ar e a Pavane de Fauré faz-se ouvir no alto “pé direito” da biblioteca. Escuta-se com atenção. Terminada a música, uma sucessão de vozes e movimentos no espaço dão corpo e expressão aos poemas escolhidos. A poesia está no ar, faz-nos vibrar. Seguimo-la, ora dócil e fulgurante, ora complexa e densa, convocando sentidos, evocando memórias, mas também suscitando a cogitação em torno desta ou aquela imagem, deste ou aquele pensamento, num constante estremecimento de palavras e de gestos.
16:15 – A performance chega ao fim, os aplausos demonstram, efusivamente, a recepção viva do que havia sido dito e representado. Apresenta-se o autor. Sucedem-se as questões e as respostas numa interacção que confirma os seus dotes de agradável conversador, de alguém que embalado pela textura das histórias, pela metáfora emergente, e o humor fino e de viva inteligência nos leva pelos mais multifacetados meandros da cultura e do saber. Fala-se de poesia, de como fomos e somos grandes no panorama poético, não tanto no do romance ou da dramaturgia, mas sobretudo neste da arte de versejar (M. A. Pina evoca alguns dos mais notáveis da poesia portuguesa do séc. XX). Fala-se de grandes temas, com a leveza que só ele sabe imprimir à conversa que tece, do amor e da morte à física quântica (interessante diálogo aquele entre o poeta e uma professora de Física, Pilar Mendez), até da espuma das coisas que nos tece o quotidiano, com muitos risos e sorrisos à mistura. 
Desenvoltura, ambiente livre e sereno, onde nem sequer faltam os três gatos juvenis que do cesto, hesitantes mas curiosos, saltam para deambular entre estantes e pernas em busca de mimos. Momentos de aliciante conversa prendendo a atenção de uma plateia interessada.
18:00 – É tempo de fechar a espiral de temas de conversa que se laçam e entrelaçam. Chega ao fim o encontro com o poeta. Partilha-se a alegria de uma tarde bem passada entre livros e pessoas, de uma tertúlia que, com certeza, deixou um pouco mais ricos aqueles que à BE se deslocaram. 
Valeu a pena. Vale sempre a pena falar de livros, de literatura, de ciência, de palavras e de ideias que nos constroem sempre um pouco mais. Vale sempre a pena fazer da biblioteca um local de encontro, um espaço de troca de ideias e de sensibilidades, a par de tantas, tantas outras dimensões que trazem valor acrescido à escola. [JD]

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